A técnica e o gênio

Cometi este texto uma semana antes da premiação do Oscar: acordei no meio da noite, escrevi em menos de meia hora e depois fui dormir. Quis compartilhar com a galera do kinemail.com.br e eles publicaram no site  😉

Li algumas críticas que falam sobre a confusão psicológica do personagem vivido por Natalie Portman, ou do preparo físico intenso que a atriz passou para encarnar o personagem. Outros comentários descrevem o mundo do balé, a repressão sexual da mãe (Barbara Hershey), ou o assédio do diretor artístico Thomas (Vicent Cassel), bem como as bailarinas antagonistas Lily (Mila Kunis) e Beth (Winona Ryder).

Cisne Negro possui referências ao genial Polanski. É isto e muito mais: (Nina) Natalie Portman retrata de forma física e crua o lado cruel, a sombra da Arte: pintura, escultura, dança, canto, desenho, literatura…

A repetição sem sentido torna a arte apenas uma repetição vazia e “frígida”. Além da técnica, a transcendência é que faz o gênio. A arte transcendida assume uma fisionomia que podemos chamar interativa, de ordem diversa daquela a que se estava habituado ao trabalhar: o objeto não se dá mais de maneira unilateral e constante – exercícios que guardam sempre a mesma seqüência -, mas assume dinamismos e mutações de forma e numa intensidade que aumenta, quanto mais dela se utiliza.

Os dinamismos e mutações que redimensionam o objeto artístico estão em constante renovação e deslocam até mesmo o próprio conceito de ARTE, o que, por sua vez, afeta o imaginário, incitando uma nova mudança no método de produção, afetando as estratégias vigentes, mudando os recursos utilizados, transformando as ferramentas de produção, que influirão novamente no conceito de concepção do espetáculo. Interligados, concepção / conteúdo / método / estratégia / recurso / ferramenta dependem um do outro a ponto de atribuírem-se constantes (re)definições.

A luta que o personagem Nina apresenta é a luta diária de artistas de vários campos: transcender a técnica. Muitos desistem no meio do caminho, ou ao encontrar a PERFEIÇÃO se encontram tão absorvidos pelo processo, que não se afastam o suficiente para apreciar a própria obra e terminam obsessivos, loucos e/ou doentes procurando o que talvez já tenham encontrado.

Finalmente, como diz um personagem do filme, a luta do artista é com ele mesmo. O caminho do meio para não se tornar a bailarina louca aprisionada pela superação da performance (Beth, que no hospital tem um quê de Callas); ou aquele que apenas se utiliza dos rudimentos da técnica com emoção e não a transcende (Lily). Ao se destruir e reconstruir no personagem e/ou na obra o artista poderá agradar ao público… mas precisa se preservar nesta luta pela perfeição.
“… deixei a técnica pensar em mim… ao invés de debruçar-me sobre ela ou criticá-la. Que o filósofo ou historiador devam adquirir conhecimentos técnicos antes de falar sobre o assunto, é o mínimo. Mas é preciso ir mais longe, não ficar preso a “um ponto de vista sobre…” para abrir-se a possíveis metamorfoses sob o efeito do objeto. A técnica e as tecnologias intelectuais em particular têm muitas coisas para ensinar aos filósofos e aos historiadores sobre a sua história.
Quanto valeria um pensamento que nunca fosse transformado por seu objeto? Talvez escutando as coisas,os sonhos que as precedem, os delicados mecanismos que as animam, as utopias que elas trazem atrás de si, possamos aproximar-nos ao mesmo tempo dos seres que as produzem, usam e trocam, tecendo assim o coletivo misto, impuro, sujeito-objeto que forma o meio e a condição de possibilidade de toda comunicação e todo pensamento.”  (Pierre Lévy, 1993, p.11)

Sobre fuiobrigada

Escrever dói e é compulsivo. Delirium, tremens.

Publicado em 24/04/2011, em Uncategorized e marcado como , , , , , , , , , , . Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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