Arquivo mensal: dezembro 2018

Repórter fala sobre assédio médico

(este post é resposta às afirmações de que fazendo denúncia para a polícia adianta algo – e sobre João de Abadiânia)

Fiz matéria pro quadro Profissão Repórter para o Fantástico em 1995. Denúncia contra um ortopedista que abusava das mulheres. Fui duas vezes ao PAM em que trabalhava com câmera escondida. Me fiz passar por paciente e aproveitei um problema que tinha no joelho, que operei depois.

De cara ele mandou eu tirar TODA A ROUPA. Negociei e fiquei de calcinha (grande e feia, fiz questão) e sutiã com roupão aberto. Ele praticamente me pôs em seu colo, puxando meu quadril. Questionei seu método e explicou que era pra ver minha coluna. Eu: meu problema é o joelho

Vendo o vídeo na redação percebemos o quanto eram revoltantes as imagens, poderia desistir, mas decidi ir em frente porque pensava nas mulheres que se sentiam inferiores e incapazes de lutar contra o abuso do poder desse médico.

A matéria foi ao ar (maior audiência até aquele ano), ele foi afastado, mas não punido. Processou a TV Globo e a vários jornais que repercutiram. Mesmo meu rosto não aparecendo, ouvi de gente nas ruas e feiras: é piranha, modelo contratada q depois vai sair na playboy etc.

Ele ganhou o processo contra o jornal que o chamou de tarado na manchete. Eu fiquei frente a frente com ele no tribunal. E o advogado do safado: ela foi de calcinha provocante (quase uma tenda de circo bege), voltou porque gostou etc. Mesmo com imagens, fui desqualificada.

Falei um monte. Resumo: sendo jornalista, representando a Globo, ainda fui tratada assim. Vcs acham que mulheres humildes seriam tratadas como? Denunciar assédio e abuso é muito mais difícil do que parece. E a mulher sempre tem culpa, né? Força a todas que foram vítima de abuso. Fatima e Zeca foram bem bacanas comigo. Mas eu fiquei bem mal durante semanas. Fui reconhecida por muita gente, apesar do mosaico no rosto (a meu pedido). Perdi a fita deste programa.

(tweet dando permissão para replicar, ainda não achei o vídeo na internet) https://twitter.com/marthaesteves/status/1075389883487789057

Sobre a matéria que fiz com o médico que abusava de mulheres. Antes disso, fui a um neurologista buscar tratamento pra enxaqueca. O médico mandou eu deitar de olhos fechados. Disse que ia passar um treco no meu corpo pra ver minha sensibilidade.

Era a última paciente e não tinha ninguém na sala de espera. Ele liberou a recepcionista. Já fiquei bolada e alerta. Aí ele fez o tal teste: passar tipo uma espátula começando do pé e subindo. Passou do joelho eu fiquei esperta.

Aí abri o olho e a tal espatula gelada já tava perto de onde não deveria. Dei uma salto da maca e fui embora sem nem pegar receita. Me arrependi de não ter denunciado ele, mas tinha como base apenas meu feeling e a certeza de podia não dar em nada.

Por isso, fui fundo na matéria que fiz para o Fantástico poucos meses depois. Porque na dúvida, vc deve denunciar, sim. E que o CRM e a justiça apurem. Assim pode-se evitar outras vítimas de médicos abusivos.